sábado, 14 de fevereiro de 2015

O futebol não é apenas paixão

Que se queime a bandeira nacional mas que se respeitem as cores alvinegras! Em Minas, com o Atlético, passa-se o mesmo. Galôo! é grito de guerra. Nosso instinto de território manifesta-se no gramado, tanto quanto nas arquibancadas da torcida apaixonada. Isso é Brasil: a música das charangas substitui as marchas militares. Fazemos vigília cívica todo fim de semana. À sanha dos jogadores transferimos nossa vocação heróica. Nos dois lados do campo decidem-se nossas batalhas. A rede balançada, a bola na trave despertam distintamente, nos dois bandos, a euforia da vitória e a emoção da derrota. Nas pernas dos jogadores correm também nossos sonhos milionários. Porque o futebol não é apenas paixão, nossa arena e nosso circo, nossa purga semanal. Ele é também o sursis da pobreza e da fome de cem milhões de miseráveis. A loteria esportiva afugenta, de sexta a domingo, o fantasma da penúria dos nossos lares. Somos todos ricos de disponibilidade. Até que a segunda-feira nos devolva às inquietudes habituais do pão e do salário.

QUEIROZ, Maria José de. Ano novo, vida nova. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 25.