segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Quando morre o amor

Veronica Veronese, 1872, Dante Gabriel Rossetti, 1872.

"Chega um dia em que o amor, que era infinito de repente se acaba, de repente."

(Thiago de Mello)


Quando morre o amor
algo em nós também morre.
Fica o vazio da ausência
daquele que nos deu vida
e em nosso altar oficiou
rito de duração interina,
e a morte certa, aflitiva,
à sua partida deixou.

Recuperado o equilíbrio
do aqui, agora, eu mesmo,
completos logo nos vemos:
cabeça, tronco e membros.




Contudo não nos socorre
o outro que já não somos
privados do que tivemos
e entre sonho e pesadelos
em dias e noites perdemos.

Se o amor pontificou
tempo e vida nos levou.
Furtou-nos gestos, esgares,
calma, sorrisos, alarmes.

Quem jamais se verá inteiro
na paz ameaçada
se em momentos de alvoroço
promove dano maior
em celebrar o bem passado
do que em destruir seus despojos?

Paris, inverno de 1971.

QUEIROZ, Maria José de. Exercício de gravitação. Coimbra: Atlântida Editora, 1972. p. 68-69.