segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Amorem

En mi cuerpo tu buscas el monte,
a su sol enterrado en el bosque.
En tu cuerpo yo busco la barca
en mitad de la noche perdida.

                          Octavio Paz

Ingênuo alumbramento
dos sentidos acordados
na exaltação do afeto
ainda ontem refutado.

Nos ombros sacrificamos
orgulho de muitas casas,
preconceitos alarmados
de rochas e duas aras.



O tempo,
entre lábio e lábio
suspenso,
esquece horas,
relógio,
cinza, angústias e mágoa.

Em abraço confundidos,
na ávida procura de nós mesmos,
olhos nos olhos nos miramos,
olhos nos olhos nos perdemos.

Em delírio prosseguido
a nossas bocas sedentas
chegam carícias sem verbo,
falamo-nos em silêncio,
nos ouvimos a tato e medo.

Na voz febril do gesto,
ora sôfrego, ora manso,
percorremos o alfabeto.
Quando a sede se aplaca,
a ternura sobe às asas
e em espirais adeja,
ambiguamente casta.

Como de Formentor
a repetida vaga,
a vertigem dos sentidos
de novo nos arrebata.

Eis-nos embarcados,
e náufragos,
ainda uma vez,
e mais, e mais,
entre pedra e água.

Quando tuas mãos recuperam
seu antigo exercício
tudo volta ao que fora:
cabeça, tronco e membros,
a cada qual seu desempenho.

Olhos nos olhos nos buscamos
olhos nos olhos,
no olvido da ampulheta
e dos ponteiros.

Na tentação de existir,
Eu e Outro,
tu e eu,
corpo e alma,
corpo e alma entrelaçados,
afogamos dissabores
de rocha, âncoras e aras.

Entre luz e sombra
de outonal brumário,
mar alto, terra ao longe,
longe praia,
inventamos nosso porto
na encruzilhada das águas.

QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra, 1978. p. 29-31.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Resgate do silêncio

Reduz-se a imanência
nosso inquieto deambular.
Recolhe-se o sobejo:
gesto, emoção, sentidos,
canto, voz e grito.
Em sutil clausura de pó
encerra-se o futuro
numa doce intimidade
de sombra e meteoro.
Horizontal, humilde,
servil e plana,
a terra triunfa
pés inquietos, mãos nervosas,
dedos ágeis,
na diversa profusão de ternura, tédio e ódio,
descansam em paz.

Lábios cerrados,
olhos enxutos,
no silêncio, nosso resgate;
vítimas caladas
somos cúmplices da eternidade. 

QUEIROZ, Maria José de. Resgate do real: amor e morte. Coimbra: Coimbra Editora, 1978. p. 67.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Projeto de Doutorado em Letras - História, memória e cotidiano nas narrativas de Maria José de Queiroz

Título: História, memória e cotidiano nas narrativas de Maria José de Queiroz

Resumo: As narrativas de Maria José de Queiroz revelam a caracterização que a escritora faz da história e do cotidiano, afastando-se do pensamento idealista ou mítico, que considera como histórico apenas os grandes feitos e as ações próprias do mundo nobre, que valoriza os acontecimentos não em função de sua causa e da maneira como são produzidos, mas em razão da impressão que deixam na consciência das massas. Esse tipo de narrativa, que não se fixa nos detalhes e enfatiza a descrição de um cotidiano desconectado de dimensões históricas, tem, nos textos da escritora, um contraponto importante.



As questões cotidianas e históricas abordadas nos textos de Queiroz potencializam sua significação ao ampliar os relatos factuais em uma dimensão maior ao entremeá-los com a ficção e constituindo-o como versão e não como verdade absoluta.  Assim, sem ostentar o que poderia ser chamado de “status de verdade”, o texto de Queiroz revela o processo histórico colocando em xeque, pela fantasia, as versões oficiais, o relato factual, a verdade do ponto de vista dessa História que se quer “voz da verdade”. Este projeto, assim, objetiva estudar essa estratégia de revisitação da história e, portanto, da memória, na obra de Maria José de Queiroz.

Orientadora: Profa. Dra. Constância Duarte
Doutoranda:  Maria Lúcia Barbosa
Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da UFMG
Período: 2014-2017.