sábado, 10 de agosto de 2013

A tragédia original do espírito e da alma

Considera-se hoje Dostoievski como o precursor dos estudos psicanalíticos.  Ninguém, como ele, esquadrinhou com maior perspicácia os subterrâneos da alma humana. "Com prazer sádico" - insinuaram alguns - "ele desceu às regiões tenebrosas, caóticas e mórbidas"(1). Houve quem contasse mais de quarenta diferentes tipos de anormais presentes na sua obra. E houve também quem o acusasse de pintar o mundo com um vasto asilo de alienados. O certo é que a preocupação do escritor russo não eram diagnósticos patológicos nem a anamnese clínica: interessavam-lhe as personagens como "casos psicológicos", "do mesmo modo que, nas suas descrições do crime, trata, antes de tudo, de revelar a tragédia original do espírito e da alma. A Dostoievski a perturbação mental do espírito e da alma. A Dostoievski a perturbação mental não sugere o problema médico da cura do cérebro de uma alma sofrida. A sua compreensão não procede de observação objetiva, vem-lhe da experiência e do sofrimento pessoais."(2)

(1) FÜLOP-MILLER, Ren. Dostoievski, précursor de la psychanalyse. In: Dostoievski: l'intitif, le croyant, le poète. Paris: Éditions Albin-Michel, 1954. p. 145.

(2)  FÜLOP-MILLER, 1954, p. 155.

QUEIROZ, Maria José de. A literatura alucinada: do êxtase das drogas à vertigem da loucura. Rio de Janeiro: Atheneu Cultura, 1990. p. 86.