O que tomas à terra,
entregas ao vento:
folhas, flores, verde musgo.
Chuva, orvalho, sol e lua
– tudo convertes em fruto.
Na aspereza do tronco
a seiva se transmuda.
No mais tenro botão
a raiz se renova a custo
de esforço lento, lento,
sostenuto
A tempo preciso
ao ramo envias
o necessário sustento:
nem muito nem pouco,
assaz bastante
– a medida justa.
No gosto esmerado, caprichoso,
de evitar a monotonia
e o abuso,
o sabor apuras de cada fruto;
nos tons e entretons
a tua riqueza se insinua.
Arredondas linhas e formas,
dentro dos limites exatos,
fiel a ti mesma, à flora, ao uso.
Aborreces a pressa e o escândalo:
sem alarde nem tumulto
ofereces à fauna voraz
o teu dom apreciado, maduro.
Obediente às estações,
atenta ao céu e à nuvem,
repetes em cada galho
o compromisso do caule:
servidão de alta fronte,
alheia à sedução da brisa
e ao convite do vento.
Firme no teu posto
aprendes paisagem,
ensinas permanência.
Teu itinerário reiventas
no território ocluso
a que raiz e tronco te condenam:
no voo dos hóspedes
teu roteiro alado
pelos quatro cantos da terra.
Nas asas ligeiras
teus sonhos se resolvem:
partes e permaneces.
No azul, és pássaro;
na terra, és verde.
Árvore, árvore,
verde pássaro azul,
verde, verde.
Paris, 1971.
QUEIROZ, Maria José de. Exercício de fiandeira. Coimbra: Coimbra, 1974. p. 44-46.