sexta-feira, 31 de maio de 2013

Árvore

Fotografia: Lyslei Nascimento, 30/5/2013, UFMG - Belo Horizonte/MG - Brasil.
O que tomas à terra,
entregas ao vento: 
folhas, flores, verde musgo.

Chuva, orvalho, sol e lua
– tudo convertes em fruto.

Na aspereza do tronco
a seiva se transmuda.
No mais tenro botão
a raiz se renova a custo
de esforço lento, lento, 
sostenuto 

A tempo preciso
ao ramo envias 
o necessário sustento:
nem muito nem pouco,
assaz bastante
– a medida justa.




No gosto esmerado, caprichoso,
de evitar a monotonia
e o abuso,
o sabor apuras de cada fruto;
nos tons e entretons
a tua riqueza se insinua.

Arredondas linhas e formas,
dentro dos limites exatos,
fiel a ti mesma, à flora, ao uso.
Aborreces a pressa e o escândalo:
sem alarde nem tumulto
ofereces à fauna voraz
o teu dom apreciado, maduro.

Obediente às estações,
atenta ao céu e à nuvem,
repetes em cada galho
o compromisso do caule:
servidão de alta fronte,
alheia à sedução da brisa
e ao convite do vento.

Firme no teu posto
aprendes paisagem,
ensinas permanência.
Teu itinerário reiventas
no território ocluso
a que raiz e tronco te condenam:

no voo dos hóspedes
teu roteiro alado
pelos quatro cantos da terra.

Nas asas ligeiras
teus sonhos se resolvem:
partes e permaneces.

No azul, és pássaro;
na terra, és verde.

Árvore, árvore,
verde pássaro azul,
verde, verde.

Paris, 1971.

QUEIROZ, Maria José de. Exercício de fiandeira. Coimbra: Coimbra, 1974. p. 44-46.