domingo, 2 de setembro de 2012

Vila Rica, vila pobre

A Eduardo Frieiro

Vila Rica, vila pobre,
gente rica, gente pobre,
pobre gente!
Os cavalos de Filipe entram na história:
a galope.

Vila Rica, vila pobre,
gente rica, gente pobre,
pobre gente!
Corda ao pescoço, traje infame,
Tiradentes sofre injúria,
vira estátua, vira selo,
crescem-lhe barbas, cabelo.
Enquanto se arrasta o processo,
a liberdade tardia
– sonho inútil, utopia –,
vira forca, devassa, degredo.

Vila Rica, vila pobre,
gente rica, gente pobre,
pobre gente!
Rimas pobres, rimas ricas,
bela Marília menina,
noiva mineira esquecida,
rico enxoval sem destino.

Rimas pobres, rimas ricas,
Bárbara do mau caminho,
estrela do norte perdida,
no desnorteio do afeto,
na razão em desvario.

Rimas pobres, rimas ricas,
Cláudio inventa suicídio
para desculpa de assassinos.

Vila Rica, vila pobre,
gente rica, gente pobre,
pobre gente!
O braço se abre em cinzel,
alonga-se em gesto preciso
de mão sábia, dedo em riste.
No alto do Matosinhos,
longe da Vila Rica,
braços e mãos em festa
compensam falha divina:
nosso manco genial
acusa e vaticina.
No aceno dos profetas,
a sua maior conquista.

Vila Rica, vila pobre,
gente rica, gente pobre,
pobre gente!
No silêncio da capela,
música esquecida.
Nos ouvidos surdos,
ferro e hematita.
Que voz estrangeira nos cante
a nossa melhor missa:
Joaquim Emerico Lobo de Mesquita.

Vila Rica, vila pobre,
gente rica, gente pobre,
pobre gente!

Paris, fevereiro de 1971.

QUEIROZ, Maria José de.  Vila Rica, vila pobre. In: ______. Como me contaram... fábulas historiais. Belo Horizonte: Imprensa/Publicações, 1973. p. 47-51.




Ribeirão do Carmo, 1696 - Ouro Preto, 1698

Se qualquer destino se inventa, ou se constrói, na indivisível duração do segundo, convençamo-nos: o Coronel Salvador Fernandes Furtado de Mendonça e Miguel Garcia da Cunha endossaram essa velha crença já autorizada pelas biografias ilustres (e nem por isso mais conhecidas) de Alexandre e Aníbal. Ao compreender que o mundo começava ali no Mato Dentro, não recuaram. Diante do quase infinito horizonte vincularam a biografia à história do sertão, esquecendo dissidências e conflitos.
Passar do sonho à realidade, prever o imprevisível, não é fácil. Contudo, o Coronel chamou a si o encargo: arrancou-se do êxtase e deu o sinal de marcha. Assumindo a própria vida, tranformou em prólogo a desilusão da Itaperava exausta. Do alto do Tripuí fitou o mundo, e dele tomou posse. Foi num domingo, 16 de julho de 1969, festa da Virgem.
Diogo de Vasconcelos, na História Antigas das Minas Gerais, I, VIII, ratifica essa versão. E acrescenta: "Os companheiros, ergendo então os machados, fizeram retumbar o côncavo das florestas aos golpes da posse, e desceram para as fraldas da serra, de onde começaram a ouvir o estrépido soturno das águas. " Ao longo da praia do Ribeirão do Carmo enfileiraram as primeiras cabanas espalharam as primeiras bateias. Os granitos saltaram. Cor de aço. Esquecidos de que o céu ordena as coisas e a terra as padece exultaram felizes. Recriaram, nos corações, o mais gratos dos mitos. Para aboná-lo, recorreram a Artur de Sá, responsável pelas ordens régias e pelas minas. Os dentes trincaram o metal. Um nome encheu-lhe a boca: ouro! Em Taubaté o eco repetiu: ouro, ouro. Veio o edito.
A história refere que ao retumbar o estrondo do descobrimento a corrida começou nas vereias do Embaú. E também as derrotas e descaminhos. Até que numa manhã fria de junho, sob a invocação de São João Batista, o santo do dia, a mesma palavra, mil vezes repetida, despertou a terra no grio, Ouro Preto! Foi nessa madrugada que as nossas inquietudes geralistas tiveram nascimento. As Minas Gerais viraram geografia: o Itacolomi, à distância, anunciava a Vila Rica.

QUEIROZ, Maria José de.  Ribeirão do Carmos, 1669 - Ouro Preto, 1698. In: ______. Como me contaram... fábulas historiais. Belo Horizonte: Imprensa/Publicações, 1973. p. 25-28.