domingo, 29 de abril de 2012

Deus e os cavalos

            Para José Ernesto Ballstaedt

“... e después de Dios, debemos la victoria a los caballos”
(Bernal Díaz del Castillo)

A história da América
nas patas dos cavalos.
Deus e os cavalos.
No México de Montezuma e de Guauhtemoc,
no Peru de Huáscar e Atahualpa,
no Chile de Colocolo, Caupoliclan e de Lautaro.
Destros e firmes ginetes,
fortes e ágeis centauros;
Córtez, Quesada, Valdivia,
Alderete, Almagro, Pizarro.
Vontade de poder, pulso e rédeas,
gana de conquista, “cierra España” e Santiago.
Mais, astecas e aimarás,
chibchas, miscas e incas,
impérios de alto prestígio,
Minas de ouro e de prata,
as sete cidades de Cibola,
o mítico El Dorado,
a fonte de Juvência,
as amazonas indomáveis
renderam-se aos cascos sonoros
do conquistador conquistado.

Depois de Deus, os cavalos.
Nas suas patas, dez mil anos de história:
o círculo do universo, a bússola,
a imprensa, a Bíblia, a Reforma.
Dos olivais de Sevilha aos campos de Granada,
dos montes de Aragão e Castela, seca e árida,
fidalgos de armas ilustres,
filhos de humildes casas,
heróis e aventureiros, cristãos iluminados
vincaram no chão da América o seio da Conquista
de timbre ibérico, celta e árabe:
cravos e ferraduras, em quatro golpes gravados.
O capitão Cortés no seu cavalo zaino,
Pedro de Alvarado na metade de uma égua,
tomada a Lopes de Ayala.
Hernández Puertocarrero numa russa ligeira
E Velásquez de León na sua Rabona agitada.
Cristobal de Olid num castanho escuro de raça
e Francisco de Montejo num alazão tostado.
Juan Sedeño, o rico, na égua castanha
(que deu cria na viagem).
Ortiz, o músico, no Arrieiro, um dos melhores da armada.
Esses e outros cavalos, de “ancas reluzentes e cascos musicais”,
galopam com Bernal Díaz, da província de Yucatán
às fronteiras da Nova Espanha, na Relação verdadeira
Dos feitos e façanhas dos soldados de Cortés
Em terras ignoradas.
Villano, Zainillo e Salnillas sustentaram a Pizarro,
Gonçalo de nome, irmão de Francisco – Marques de Atavillos,
nos seus mais rudes combates.
O seu lugar-tenente, o “Demônio dos Andes”, o famoso Carvajal,
Em Sacsahuaman, com Boscanillo, perdeu sua última batalha.
No celebrado Matamoros, o capitão Palomino
cruzou primeiro o Peru
e chegou logo a Granada
(a Granada do Novo Mundo que  muitos chamam Nova Granada).

Ao adelantado De Soto, uma das melhores lanças
que às terras do Norte passaram,
Acompanhou El Aceituno
na Expedição da Flórida.
Hipogrifos desnastrados,
os cavalos andaluzes
chegaram com Juan Díaz
a Palermo e a Buenos Aires.
Na noite imóvel, decifrada por Anaxágoras,
o conquistador fez-se gaúcho;
povoou o pampa de machos.
Matou índios, carneou rezes,
morreu de sua morte
quando a cidade lhe arrebatou o deserto,
opondo a civilização à barbárie
Cow-boy, gaúcho, llanero,
vaqueiro, peão, tropeiro
perseguem no tempo unânime
as léguas fatigadas
de centauros sublimados,
firmes nas quatro patas.
Depois de Deus, os cavalos.


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